Ausência de planejamento urbanístico constitui o maior impacto ambiental e social nas grandes cidades

   
casarios - bairro Saúde / RJ
              
Preservar e cuidar da manutenção do patrimônio cultural construído é um grande desafio da atualidade. O crescimento das cidades, a expansão imobiliária, o déficit habitacional e os impactos ambientais constituem fatores que desafiam os gestores públicos a confrontar o desenvolvimento eminente, com a necessidade de minimização de impactos ambientais e sociais. No âmbito do patrimônio cultural, poucos esforços têm sido canalizados visando a consolidação de uma política de proteção de acervos, assim como ações efetivas de restauração de bens culturais que se encontram em estado de conservação ruim. 

            Ao circular pelo centro histórico do Rio, e em muitas áreas da zona norte da cidade, observa-se, com frequência, a degradação de inúmeros imóveis seculares, de valor artístico e cultural, de propriedade particular ou pública, que lamentavelmente dão lugar a outras edificações. Estas surgem de maneira abrupta e se sobrepõem à paisagem vernacular, tradicional, desconsiderando todos os condicionantes conformadores do espaço urbano e sua história. Desse modo, a leitura espacial e sua compreensão ficam comprometidas, uma vez que os suportes físicos da memória das cidades são apagados, dando lugar a construções que não dialogam e não respeitam o meio ambiente existente.
            Essas edificações despertam o interesse e instigam a procura por mais informações sobre o lugar e o entorno e, representam a materialização da cultura, além de trazer suas características, estilo e história das pessoas que participaram de suas construções. 
De 2013 a 2016, o Instituto Rio Patrimônio da Humanidade (IRPH) criou o programa PRÓ-APAC, uma iniciativa que resgatou e garantiu a permanência da identidade cultural do centro histórico do Rio, recuperando em parceria  com empresas da iniciativa privada e proprietários de imóveis tombados e preservados 43 edificações. Esta iniciativa possibilitou em curto espaço de tempo a transformação de áreas degrada
das em ambientes vivos de produção, que formam a cadeia econômica criativa, garantindo o desenvolvimento dessas regiões, preservando suas características históricas, a manutenção da memória coletiva e propiciando o encontro da população em espaços comuns. A grande maioria destes imóveis, antes vazios, abandonados e ociosos, hoje são bares, cafeterias, restaurantes, academias e centros culturais.

               O programa Pró-Apac que tinha como objetivo final se transformar numa política pública e se expandir para outras áreas da cidade, está em análise / parado em alguma comissão na Câmara Municipal do Rio e na atual gestão, infelizmente, foi interrompido. Hoje o Prefeito da Cidade está preocupado em dar um banho de loja na entrada da Rocinha, e este pensamento é mais uma visão equivocada das necessidades da população carioca no que se refere ao espaço urbano e sua contribuição para  bem estar comum. 
               Vale lembrar que a perda do patrimônio material representa a perda da história e da identidade, o que é preocupante, pois a história do nosso município e do local onde moramos é única e insubstituível e a destruição das suas representações materiais representa o esquecimento da nossa identidade cultural e esquecer nossa cultura é esquecer quem somos e o que sempre representamos para o crescimento e desenvolvimento do país.                O rápido e desordenado crescimento das cidades brasileiras, em especial o Rio de Janeiro, por conta de sua topologia, nos faz refletir acerca da constante necessidade de reestruturar os espaços urbanos, paralelo às implicações referentes à qualidade ambiental e a preservação do patrimônio construído, seja no morro ou no asfalto.
                Nossas cidades não são locais onde apenas se ganha dinheiro, não se resumem em ser apenas dormitório para seus habitantes. Nela vivem seres humanos, com suas famílias que possuem memória própria e são parte integrante da nossa história. Por esse motivo, não passa despercebido pelos habitantes das cidades à destruição da casa de seus antepassados, de antigos cinemas, bares, teatros e outros prédios históricos e, muito menos despercebido passa, o discurso demagógico do representante maior da cidade que sugere, de forma irônica e cínica um 'banho de loja' nas favelas.                                                                                                                   
Na sua inexperiência e insipiência de gestão administrativa, como ele mesmo afirmou, algum técnico da secretaria de urbanismo deveria ensinar ao Prefeito que preservar e reestruturar o espaço urbano deveria ser uma de suas prioridades e, mais do que um 'banho de loja', as favelas da cidade necessitam de planejamento e reordenamento urbano que envolve o mapeamento das áreas, a nomeação de praças e ruas, a titularidade dos imóveis existentes com pagamento de IPTU e possíveis desapropriações com a devida indenização e/ou realocação da família no mesmo ambiente, além, dos serviços de saneamento básico, água e esgoto, de mobilidade para os serviços públicos de luz, telefonia, lixo e transporte. Sem esquecer das ações sociais, culturais e de um trabalho sério de place blanding, com diagnóstico da identidade e vocação daquele espaço para aquecer a economia do lugar. 

Sem isso, continuaremos enxugando gelo, vivenciando mortes prematuras e subtraindo a identidade do espaço onde vivemos.


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